No centro de todo aquele calor humano, familiar, as rabanadas, filhoses e sonhos ornamentam a grande e pesada mesa da sala. Para trás ficara já o bacalhau e as batatas, bem regadas por perto de 2 horas de conversa.
Olhando à volta, vejo os mais novos, impacientes, esperando a hora de descobrir o que contêm aqueles embrulhos coloridos sob o pinheiro alegremente decorado com bolas e fitas. Vejo, na sua cadeira de balanço, a avó, a quem os anos pesam cada vez mais, e o tio que, como de costume se mostra indiferente a toda a festa.
É cedo. Reunimo-nos em volta da velha mesa quadrada e iniciamos um longo e fastidioso jogo de cartas. Os cálices de Porto sucedem-se ao ritmo pautado dos charutos e cigarrilhas que, um pouco por toda a sala, espalham o característico odor.
O ambiente torna-se pesado, quase irrespirável. Mas, ao soar das 12 badaladas, tudo se transforma: os copos são pousados, os charutos morrem, sozinhos nas mesas, e todos nos sentimos tomados de uma alegria contagiante. Inicia-se a distribuição de ofertas, a maior parte delas singelas, mas todas especiais. Reina a boa disposição e os beijos e abraços multiplicam-se sucedendo-se às exclamações de, por vezes fingida, surpresa.
Alguns, sempre os mesmos, saem para cumprir a tradição da missa do galo. No regresso há tempo ainda para mais um copo de licor ou uma última fatia dourada antes do “até amanhã” que nos reunirá novamente em torno da mesma mesa, para saborear o mesmo bacalhau e as mesmas rabanadas.
O Natal é, desde sempre, uma alegre monotonia. Talvez por isso, ou porque sabemos que o próximo será idêntico, ele é mágico!
Dez 1996